Sabe quando você está completamente estressado, quando não dá quase pra respirar de tão gostosas as melodias. Decidi então postar uma pequena biografia de alguns dos gênios, acompanhadas de suas músicas. Bom, o primeiro da noite é o Mozart.
Wolfgang Amadeus Mozart (AFI: [ˈvɔlfgaŋ
amaˈdeus ˈmoːtsart], batizado Joannes
Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart;[1]Salzburgo, 27 de
janeiro de 1756 – Viena, 5 de dezembro de 1791) foi um prolífico
e influente compositor austríaco do período clássico.
Mozart mostrou uma habilidade musical prodigiosa desde sua infância.
Já competente nos instrumentos de teclado e no violino, começou
a compor aos cinco anos de idade, e passou a se apresentar para a realeza europeia,
maravilhando a todos com seu talento precoce. Chegando àadolescência foi
contratado como músico da corte em
Salzburgo, porém as limitações da vida musical na cidade o impeliram a buscar
um novo cargo em outras cortes, mas sem sucesso. Ao visitar Viena em 1781 com
seu patrão, desentendeu-se com ele e solicitou demissão, optando por ficar na
capital, onde, ao longo do resto de sua vida, conquistou fama, porém pouca
estabilidade financeira. Seus últimos anos viram surgir algumas de suas
sinfonias, concertos e óperas mais conhecidos, além de seu Requiem.
As circunstâncias de sua morte prematura deram origem a diversas lendas. Deixou
uma esposa, Constanze, e dois filhos.
Foi autor de mais de seiscentas obras, muitas delas referenciais na música sinfônica, concertante, operística, coral, pianística e camerística. Sua produção foi louvada por todos os
críticos de sua época, embora muitos a considerassem excessivamente complexa e
difícil, e estendeu sua influência sobre vários outros compositores ao longo de
todo o século XIX e início do século XX.
Hoje Mozart é visto pela crítica especializada como um dos maiores compositores
do ocidente, conseguiu conquistar grande prestígio mesmo entre os leigos, e sua
imagem se tornou umícone popular
Família e primeiros anos
Mozart nasceu em Salzburgo em 27 de janeiro de 1756, sendo batizado no
dia seguinte na catedral local. O
nome completo que recebeu foi Joannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus
Mozart, e teve como padrinho Joannes Theophilus Pergmayr. Mais tarde Mozart
preferiu ter seu nome Theophilus chamado em suas versões francesa ou germânica,
respectivamente Amadé e Gottlieb, mais raramente a forma latina, Amadeus. Os
primeiros dois nomes só foram usados em suas primeiras publicações, e adotou a
forma germânica Wolfgang em vez da latina Wolfgangus.[2][3] Foi
o sétimo e último filho de Leopold
Mozart e Anna Maria Pertl. De todas as crianças
somente ele e uma irmã, Maria
Anna, apelidada Nannerl, sobreviveram à infância. A família do pai era
oriunda da região de Augsburgo, tendo o sobrenome sido registrado desde o século
XIV, aparecendo em diversas formas diferentes - Mozarth, Motzhart, Mozhard
ou Mozer. Muitos de seus membros se dedicaram à cantaria e construção,
e alguns foram artistas. A família da mãe era da região de Salzburgo,
composta em geral por burgueses da classe
média.[3]
Assim que o talento de Mozart foi reconhecido, isso em seus
primeiros anos de vida, o pai, músico experiente e violinista afamado,
abandonou suas pretensões pedagógicas e compositivas para dedicar-se à educação
do filho e de sua irmã Nannerl, que também cedo manifestou extraordinários
dotes musicais, demonstrando porém clara preferência por Wolfgang e considerando-o
um milagre divino. Parece certo que boa parte do profissionalismo que Wolfgang
veio a exibir em sua maturidade se deveu à rigorosa disciplina imposta pelo seu
pai. O seu aprendizado musical começou com a idade de quatro anos. Leopold
havia compilado em 1759 um volume de composições elementares para o aprendizado
de sua filha, que também serviu como manual didático para o irmão. Neste volume
Leopold anotou as primeiras composições de Mozart, datadas de 1761, um Andante e
um Allegro para teclado, mas é impossível determinar até que ponto
são obras integrais de Mozart ou se trazem contribuição paterna.[4][5]
Primeiras viagens
Logo as crianças estavam aptas para se apresentar
publicamente, e no mesmo ano de 1761 Mozart fez sua primeira aparição como menino-prodígio,
em uma récita de obras de Johann Eberlin na Universidade de Salzburgo.[6] Em
seguida iniciou-se um período de cerca de vinte anos em que fez extensas
viagens pela Europa, organizadas privadamente por Leopold com os objetivos
declarados de consagrar seus filhos como gênios precoces e obter ganhos
financeiros. Entre os inúmeros concertos que davam, os testes a que eram
submetidos, os contatos profissionais e visitas de cortesia que se viam
obrigados a fazer, e a frequente audição de apresentações de músicas alheias
para a instrução das crianças, paralelamente à continuidade de seus estudos em
música e na instrução elementar, o cronograma dessas viagens foi sempre
exaustivo, e às vezes cobrou caro da sua saúde.[7]
A primeira viagem, em 1762, foi para Munique, onde
tocaram diante do Eleitor da Baviera. No fim do ano
iniciaram outra, que durou até janeiro de 1763, indo para Viena e outras
cidades, tocando para vários nobres e duas vezes para a imperatriz Maria Teresa e seu consorte. Segundo
registros de personalidades que os assistiram, e do próprio Leopold, que era um
prolífico epistolário e mantinha diários de viagem, Mozart já tocava "maravilhosamente",
sendo uma criança "animada, espirituosa e cheia de charme". [8] Pouco
depois de seu retorno a casa Mozart adoeceu, aparentemente de febre
reumática,[9] mas
logo se recuperou, tanto que em fevereiro de 1763 tocou violino e cravo pela primeira vez na corte
de Salzburgo. Uma nota divulgada em um jornal local declara que Mozart já era
capaz de tocar como um adulto, improvisar em vários estilos, acompanhar à
primeira vista, tocar teclado com um pano a cobrir as teclas, acrescentar um
baixo a um tema dado e identificar qualquer nota que fosse tocada. Relatos de
amigos registram que com esta tenra idade, ainda que sua jovialidade infantil
permanecesse manifesta, seu espírito já se compenetrara na música, e só se
dispunha a tocar diante de um público que levava a música a sério, evidenciando
orgulhar-se de suas capacidades. Do mesmo ano data sua primeira tentativa
registrada de escrever um concerto, e a despeito de sua caligrafia
ser um garrancho, sua música foi considerada por Leopold como composta correta
e adequadamente. [8]
Ainda em 1763, em junho, iniciaram outra viagem, que durou
até 1766 e desta vez os levou à Alemanha, França, Inglaterra, Países
Baixos e Suíça, passando por vários centros musicais importantes no
caminho. Agora dispunham de uma carruagem própria e foram acompanhados por um
criado. Mozart costumava tocar órgão nas igrejas das cidades onde
pernoitavam, e a família aproveitava o tempo livre para diversos passeios. Em Ludwigsburgo se
encontraram com o violinista Pietro
Nardini e o compositor Niccolò Jommelli; chegando em Bruxelas,
esperaram cinco semanas antes que o governador os recebesse para uma audição.
Chegaram em Paris em
18 de novembro e ali permaneceram por cinco meses, salvo duas semanas em Versalhes,
quando se exibiram diante de Luís XV, e
com toda a probabilidade fizeram outras apresentações privadas. Deram dois
concertos públicos, entraram em contato com músicos locais e com um influente
literato e crítico musical, o Barão von Grimm. Em Paris Leopold
publicou as primeiras obras impressas de Mozart, dois pares de sonatas para
cravo e violino. Em abril do ano seguinte partiram para Londres, onde
ficaram por quinze meses. Logo após a chegada foram recebidos por Jorge III,
que deu ao menino alguns testes difíceis ao cravo, e o ouviu em duas outras
ocasiões. Deram concertos públicos e privados e Leopold convidou os
especialistas para testarem Mozart de várias maneiras, mas os anúncios
sensacionalistas publicados diminuíam a idade de Mozart em um ano, e as
apresentações às vezes tiveram um caráter quase circense.[10][11] O
filósofo Daines Barrington o examinou e apresentou um relatório com suas
conclusões à Royal Society, declarando sua proficiência em
improvisos e na composição de canções em estilo operístico. Possivelmente em
Londres Mozart compôs e apresentou suas primeiras sinfonias, pode
ter entrado em contato com a música de Händel, que
ainda era popular, e ali conheceu Johann Christian Bach, com quem iniciou longa
amizade e de quem recebeu influência musical. Em 1 de agosto de 1765 embarcaram
novamente para França, mas ao chegarem em Lille o menino
adoeceu, ficando acamado por um mês. A viagem prosseguiu então para os Países
Baixos, e em Haia Mozart
novamente caiu doente, desta vez acometido, junto com Nannerl, de um grave
episódio de febre tifóide que durou dois meses. Depois
passaram por várias cidades e neste período Mozart compôs variações para cravo
sobre canções holandesas e seis sonatas para violino e cravo. Em seguida
retornaram para Paris, onde o Barão von Grimm os ouviu novamente e ficou admirado
com os progressos do menino. Suas sinfonias foram apresentadas com boa
receptividade e ele passou com brilhantismo nos mais difíceis testes que lhe
foram dados, deixando seu público atônito. De Paris seguiram para o sul da
França, antes de se dirigirem para a Suíça e Alemanha, e, por fim, rumaram para
Salzburgo trazendo consigo um apreciável resultado financeiro.[12][9] Por
algumas sonatas dedicadas à Rainha da Inglaterra Mozart recebera a soma de
cinquenta guinéus,
o equivalente a cerca de dez mil dólares atuais, o que dá uma ideia da
lucratividade das excursões,[13] sem
falar nos preciosos presentes que ganhava, como anéis de ouro, relógios e
caixas de rapé.[14]
Os meses seguintes foram passados em sua cidade natal,
envolvendo-se em estudos de latim, italiano e aritmética,
provavelmente ministrados por seu pai, bem como escreveu suas primeiras obras
vocais para o palco, incluindo um trecho de um oratório coletivo, a comédia Apollo et Hyacinthus e um trecho de uma Paixão
de Cristo. Esta última possivelmente foi a peça que ele teve de escrever
fechado em uma sala sozinho para provar ao príncipe-arcebispo que era ele mesmo
quem escrevia suas composições. Também fez alguns arranjos de sonatas de outros
autores na forma de concertos. Em setembro de 1767 a família partiu para uma
nova viagem, permanecendo em Viena por seis semanas. Uma epidemia de varíola na
cidade os levou a se mudarem paraBrno e depois para Olmütz, mas as
duas crianças foram colhidas pela doença, de forma suave, que deixou marcas
indeléveis no rosto de Mozart. Voltando a Viena, foram ouvidos pela corte e
fizeram planos para a apresentação de uma ópera, La
finta semplice, mas a composição não chegou a ser apresentada, para a indignação
de Leopold. Por outro lado, um pequeno singspiel,Bastien und Bastienne, foi ouvido na mansão
de Franz
Mesmer e uma missa solene
que escrevera foi apresentada na consagração da Weisenhauskirche, regida pelo
próprio compositor.[15]
Viagens à Itália
Em 5 de janeiro de 1769 estavam de volta em Salzburgo, onde
permaneceram por cerca de um ano. Mozart escreveu diversas novas peças,
incluindo um grupo de importantes serenatas orquestrais,
várias peças sacras menores e diversas danças, e foi indicado Konzertmeister honorário
da corte em 27 de outubro. Em 13 de dezembro, sem a irmã e a mãe, somente pai e
filho se dirigiram para a Itália.
Seguindo o seu padrão habitual, a viagem foi pontilhada de paradas em qualquer
lugar onde o menino pudesse ser ouvido e pudesse ser recompensado com bons
presentes. Em Verona foi
testado pelos membros da Academia Filarmônica, o que se repetiu em Mântua. Em Milão receberam
a proteção do poderoso Conde von Firmian, ministro
plenipotenciário da Áustria na Itália, e conheceram músicos como Giovanni Battista Sammartini e Niccolò Piccinni. Pernoitando em Lodi, ali Mozart
completou seu primeiro quarteto de cordas. Em Bolonha visitaram
o famoso teórico Padre Martini, que testou Mozart, e encontraram o castratoFarinelli. Em
Florença Mozart fez uma amizade imediata e intensa com o jovem compositor
inglês Thomas Linley, e dali seguiram para Roma, onde foram
recebidos pelo papa e
Mozart foi agraciado com a Ordem da Espora de Ouro, no grau de cavaleiro,
uma extraordinária deferência para um músico em seu tempo. Na Capela
Sistina ouviram o famoso Miserere de Gregorio
Allegri, uma obra guardada ciosamente pelo coro da Capela como sua
propriedade exclusiva, mas Mozart transcreveu-a na íntegra e de cor após a
audição. Voltando a Bolonha, foi testado pela Academia Filarmônica local, sendo
admitido como membro. Em Milão outra vez, Mozart iniciou a composição de uma
ópera, Mitridate, re di Ponto, apresentada no verão
com uma recepção entusiasmada e permanecendo em cartaz por vinte e duas noites.
As três primeiras foram regidas pelo autor. Passando por várias outras cidades,
dando diversos outros concertos e fazendo relações com personalidades políticas
e musicais importantes, retornaram a Salzburgo em 28 de março de 1771.[16][17]
Mas pouco ficaram em casa; antes mesmo de saírem da Itália haviam acertado sua
volta, firmando um contrato para a apresentação de uma serenata teatral, Ascanio
in Alba, a ser dada em Milão no casamento do arquiduque Ferdinando, e um
oratório, La Betulia liberata, para Pádua. Em agosto de
1771 estava de volta a Milão, onde o Ascanio foi apresentando com
imenso sucesso, ofuscando uma ópera de Hasse, um celebrado compositor mais velho,
ouvida nos mesmos festejos. De uma carta do arquiduque enviada à sua mãe se
deduz que cogitara dar um cargo a Mozart em sua corte, mas na resposta a
imperatriz o aconselhou a não se sobrecarregar com "aquelas pessoas
inúteis", cujo hábito de "perambularem pelo mundo como mendigos
degradaria seu serviço". De volta a Salzburgo em 15 de dezembro, ali
passaram os meses seguintes.[18]
Logo após sua chegada o patrão de Leopold faleceu. Sigismund von Schrattenbach havia
sido muito tolerante para com as repetidas e longas ausências de Leopold,
embora às vezes suspendesse o pagamento de seu salário. Os ricos presentes que
Mozart recebia em suas viagens, contudo, eram uma significativa compensação. Em
14 de março de 1772 ascendeu ao principado-arcebispado Hieronymus von Colloredo, cuja
atitude para com seu empregado foi bem mais rígida. Esses meses foram férteis
para Mozart, compondo uma nova serenata teatral, oito sinfonias, quatro
divertimentos e algumas obras sacras de vulto. Em 9 de julho foi admitido
formalmente como violinista na corte de Salzburgo, com um salário de 150
florins, cargo que ocupou a título honorário por três anos. Em 24 de julho os
Mozart partiram para a terceira e última viagem para a Itália, apresentando a
ópera Lucio Silla em Milão, cuja apresentação não foi
inteiramente bem sucedida por causa de um elenco desigual, bem como outras
composições. Leopold desejava conseguir um emprego para o filho fora de
Salzburgo; solicitou um cargo para o Grão-duque da Toscana, mas o pedido deu em
nada, e em 13 de março de 1773 estavam em casa.[19][20]
Outras viagens
Os rendimentos da família nesta época eram suficientes para
se mudarem para uma casa maior, mas Leopold não estava satisfeito nem com sua
posição relativamente subalterna na capela da corte, nem com as escassas
perspectivas de progresso profissional do filho na sua cidade nativa.
Provavelmente foram estas as causas que os levaram a Viena poucos meses depois,
na tentativa de obter uma posição na corte imperial. Este objetivo não foi
alcançado, mas a música de Mozart se beneficiou com o contato com obras de
compositores da vanguarda vienense, evidenciando sensível avanço. Em meados de
1774 apresentou uma ópera em Munique, La finta giardiniera, e compôs suas primeiras
sonatas para teclado. De volta em março de 1775, iniciou-se para Mozart um
período de crescente frustração com as condições limitadas da vida musical local
e com a pouca tolerância de seu patrão para com afastamentos prolongados. Não
parou entretanto de compor, surgindo uma multiplicidade de novas obras em
vários gêneros, incluindo concertos para teclado, divertimentos, serenatas,
sonatas e obras sacras. Em agosto de 1777 Mozart encaminhou seu pedido de
demissão, e a insatisfação do príncipe com o serviço irregular dos Mozart se
refletiu na demissão no mesmo ato também de Leopold. Este não podia se dar ao
luxo de prescindir de seu cargo, e foi readmitido.[21]
Para se manter Mozart retomou as viagens, e em 23 de
setembro, já sem a companhia do pai, seguiu com a mãe em um périplo pela
Alemanha e França, dando concertos e solicitando emprego em várias cortes, mas
sem êxito. Em Augsburgo visitaram parentes e Mozart estabeleceu uma relação
afetuosa com sua prima Maria Anna Thekla, apelidada de Bäsle, com quem
manteve depois contato por correspondência. Em Mannheim ficou
amigo de vários músicos da importante orquestra local e apaixonou-se pela cantora Aloysia
Weber, pretendendo levá-la para a Itália e torná-la uma diva. Envolvido nesta
relação, adiara várias vezes sua ida a Paris, mas o romance não frutificou.
Mantinha assíduo contato por carta com seu pai, e nessa troca de correspondência
se verifica uma progressiva irritação e preocupação de Leopold com a falta de
objetividade do filho, sua irresponsabilidade com o dinheiro e sua tendência a
procrastinar decisões. Ficava evidente para Leopold que seu filho era incapaz
de se arranjar sozinho, e enchia suas cartas com uma infinidade de
recomendações sobre como ele deveria agir, quem procurar, como bajular os
poderosos, como administrar o dinheiro e muitas outras coisas.[22][23] Apesar
de apresentar várias obras com sucesso, a estadia em Paris não foi agradável.
Mozart se queixava da falta de gosto dos franceses, suspeitava de intrigas
contra ele, sua antiga amizade com Grimm se deteriorou e recusou a única oferta
de emprego estável que recebeu em toda a viagem, o cargo de organista em Versalhes.
Para piorar a situação, sua mãe caiu doente e veio a falecer em 3 de julho de
1778. Passada a crise, recebeu de seu pai uma carta notificando que Colloredo
havia mudado de idéia e estava disposto a readmiti-lo com um salário maior e
com licença para viajar. Partiu de Paris em 26 de setembro mas decidiu fazer o
trajeto de volta pela Alemanha, atrasando sua chegada em Salzburgo, para
exasperação de seu pai, que temia que o atraso comprometesse sua readmissão na
corte. Só chegou em casa em meados de janeiro do ano seguinte, com seus planos
de independência desfeitos, as finanças em estado precário e as relações com
seu pai estremecidas.[24]
Mozart ao cravo com sua irmã. Seu pai segura um violino e a
mãe, já falecida, aparece no medalhão. Pintura de Johann Nepomuk della Croce,
c. 1780
Enviou então um pedido formal de readmissão no serviço da
corte e foi empregado como organista, com um salário de 450 florins. O contrato
o obrigava também a compor o que lhe fosse pedido e dar aulas aos meninos do
coro. Os dois anos seguintes transcorreram sem grandes eventos, mas escreveu
diversas novas obras, incluindo sinfonias, missas e concertos importantes, onde
aparece a influência dos estilos internacionais que conhecera, e continuou
interessado em música dramática. Em 1780 recebeu a encomenda para uma ópera a
ser levada em Munique, o que resultou no Idomeneo, a
primeira de suas grandes óperas, retratando o drama e o heroísmo com força e
profundidade sem precedentes em sua produção, permanecendo nesses aspectos como
uma das mais notáveis em toda a sua carreira.[25]
Viena
Em março de 1781 seu patrão viajou para Viena para assistir
à coroação de José II, e Mozart o acompanhou. O status de seu
cargo na corte era pouco elevado, e a sua correspondência deste período revela
mais uma vez crescente insatisfação, e ao mesmo tempo o mostra entusiasmado com
a perspectiva de fazer uma carreira na capital imperial. Em uma noite foi dada
uma festa para o novo imperador, mas Colloredo impediu que ele tocasse, o que
lhe teria valido uma gratificação equivalente a metade de seu salário anual em
Salzburgo. A tensão entre ambos aumentou e a crise inevitável eclodiu em 9 de
março, quando em uma tempestuosa audiência com seu patrão pediu outra vez a
dispensa de suas funções. No momento Colloredo recusou, mas logo depois foi
aceita. Mudou-se então para os apartamentos de seus amigos, os Weber, por cuja
filha Aloysia ele se apaixonara em Mannheim. Mozart então começou um
envolvimento afetivo com outra das filhas dos Weber, Constanze.
Em cartas para seu pai, de início refutou os rumores sobre o romance, mas para
evitar uma situação constrangedora mudou-se para outra casa. Entrementes
ganhava a vida dando aulas e concertos privados, e continuou a compor. Em
dezembro apresentou-se na corte em uma competição com Muzio
Clementi, saindo vencedor, mas suas esperanças de obter um emprego oficial
não se concretizaram.[26]
Sua relação com Constanze se aprofundou, e embora
continuasse negando-a para seu pai, finalmente em 15 de dezembro de 1781
declarou sua intenção de casar-se. Logo depois da estreia de sua nova ópera O Rapto do Serralho, que foi um grande sucesso,
pressionado pela mãe de Constanze, apressou os preparativos do casamento e
pediu a bênção paterna. Em 4 de agosto de 1782 casaram na Catedral de Santo Estêvão, mas só no dia
seguinte chegou a carta do pai dando seu relutante consentimento. A figura de
Constanze e seu papel na vida de Mozart têm sido objeto de muita polêmica, mas
ao que tudo indica a união foi bastante feliz, ainda que ela não tivesse
grandes capacidades de ajudar o seu desorganizado marido na administração de um
lar. Poucas semanas depois do casamento eles já foram obrigados a pedir um
empréstimo. Constanze logo engravidou e seu primeiro filho, Raimund Leopold,
nasceu em 17 de julho de 1783, mas poucos dias depois do nascimento foi deixado
aos cuidados de amigos para que o casal pudesse viajar a Salzburgo e visitar
Leopold. Pelo que se deduz de correspondência posterior a fria recepção de
Leopold não tornou a visita especialmente amistosa.[27][28]
Deixaram Salzburgo em 27 de outubro de 1783, mas enquanto
ainda estavam lá o bebê falecera, em 19 de agosto, e não se sabe quando os pais
tomaram conhecimento do ocorrido. Cartas de Mozart para Leopold no fim do ano
revelam que a situação financeira do casal não era boa, surgindo várias
dívidas, mas que fazia planos otimistas para a próxima temporada musical. Essa
perspectiva se realizou, dando tantos concertos que pouco tempo tinha para
compor,[29] ao
mesmo tempo em que dava aulas, a sua fonte de renda mais segura, e iniciou a
publicação de várias obras impressas, que também lhe traziam algum lucro. Em
setembro de 1784 nasceu seu segundo filho, Carl Thomas, e em dezembro ingressou na Maçonaria,
escrevendo música para rituais maçônicos.[30]
No início de 1785 Leopold os visitou em Viena por alguns
meses, e suas cartas descrevem a febril atividade do filho, envolvido em
inúmeros concertos, o apartamento confortável em que moravam, as récitas da
música de Mozart que assistiu, e testemunham que o prestígio de seu filho
estava no auge. Notícias em jornais desse período falam de Mozart como
"universalmente estimado", e dono de "merecida fama". Não
obstante, os rendimentos de um músico independente eram tudo menos garantidos;
logo as dificuldades voltaram e ele foi obrigado a recorrer a outros
empréstimos. O projeto mais importante de 1785 foi a escrita da ópera As Bodas de Fígaro, com libreto de Lorenzo
da Ponte, sendo estreada em maio de 1786 com boa receptividade, logo se
tornando uma peça do repertório regular de várias companhias teatrais. No
outono de 1786 fez planos para ir à Inglaterra, mas Leopold o aconselhou a não
ir e se recusou a tomar conta do menino Carl, e a idéia foi abandonada. Em 18
de outubro nasceu seu terceiro filho, Johann Thomas Leopold, que viveu só
poucos dias.[31]
Contudo, em 1787 aceitou um convite para ir a Praga, onde o Fígaro havia
sido um sucesso considerável e ele se tornara um compositor popular. Ali
recebeu a encomenda de uma nova ópera para ser estreada na temporada seguinte,
o que resultou no Don Giovanni. Entrementes, Leopold morreu em maio de
1787. Mozart renunciou à sua parte da herança em favor de Nannerl mas recuperou
os seus manuscritos que estavam com o pai. Em maio mudou-se para um outro
apartamento atrás da Catedral, bem mais modesto, e nos meses seguintes não há
registro de aparições públicas de Mozart. Esteve doente por um breve período,
mas continuou a dar aulas. É possível que tenha dado algumas lições para o
jovem Beethoven em
sua primeira e curta visita a Viena, e com certeza passou a ensinar Hummel, então com
cerca de dez anos, que pode ter vivido algum tempo com eles. Também publicou
diversas peças de câmara e canções, que eram de fácil venda. Voltou a Praga em
outubro para a estreia de Don Giovanni, que teve uma recepção entusiástica.
Em seu retorno a Viena em novembro finalmente lhe foi concedido o tão almejado
emprego na corte, sendo indicado Músico de Câmara, com um salário de oitocentos
florins e com a função simples de escrever música para os bailes da corte.
Apesar do maior prestígio que um cargo oficial lhe trouxe e do alívio que a
renda regular proporcionou, de modo algum resolveu todos os seus problemas. No
fim do ano teve de mudar-se de novo, agora para os subúrbios, viu nascer em 27
de dezembro sua filha Theresia, que morreu em poucos meses, e iniciou no ano
seguinte um período de repetidos apelos por socorro financeiro ao seu amigo
Michael Puchberg. A correspondência trocada trai sua humilhação e um ânimo
deprimido. Mesmo assim esse período foi criativamente muito fértil, aparecendo
uma notável sucessão de obras de grande importância.[32]
Últimos anos
No início de 1789 Mozart aceitou um convite para acompanhar
o príncipe Karl Lichnowsky à Alemanha, tocando em várias
cidades no caminho. Seus pedidos de dinheiro continuavam e sua esposa estava
novamente grávida. A filha, Anna, nasceu em novembro e viveu somente um dia.
Escreveu nesse ano alguns quartetos e sonatas, mas se envolveu principalmente
com uma nova ópera, Così
fan tutte, a terceira em colaboração com Da Ponte. Foi bem recebida mas
ficou pouco em cartaz, e o lucro resultante foi magro. Embora evidentemente
pobres, os Mozart não estavam na miséria. Ele ainda recebia o salário da corte,
dava aulas, alguns concertos traziam renda e ainda vendia peças. Suas
necessidades básicas estavam supridas e podiam ainda dispor de um criado e uma
carruagem. Suas cartas dessa época oscilam entre lamentos e visões esperançosas
de futura prosperidade. Com a ascensão do novo imperador, Leopoldo II, esperava
ser promovido, mas isso não aconteceu; solicitou o cargo de mestre de capela da
catedral e conseguiu ser designado como substituto, mas sem salário. No início
do verão de 1790 nasceu seu último filho, Franz Xaver Wolfgang, e Mozart passou a
trabalhar com o empresárioEmanuel Schikaneder, cuja companhia fazia
sucesso, na composição de sua ópera em estilo singspiel, A
Flauta Mágica. A reação do público foi inicialmente fria, mas logo se
tornou popular. Neste ínterim recebeu a encomenda de duas outras composições de
vulto, o Réquiem, de um solicitante que lhe exigiu sigilo
sobre a composição e desejava permanecer anônimo (hoje se sabe que foi
encomendado pelo conde Walsegg-Stuppach), e a sua última ópera, A Clemência de Tito, estreada em Praga com
muito aplauso.[33]
Em Praga caiu doente, e aparentemente não mais recobrou
perfeita saúde. Relatos posteriores o mostram de volta a Viena engajado em um
ritmo intenso de trabalho, envolvido com a finalização do Réquiem e
assombrado com premonições da morte, mas muito dessa atmosfera pode ser lenda,
e é difícil conciliar essas descrições com várias de suas cartas do período
onde mostra um humor jovial. Em novembro de 1791 teve de recolher-se ao leito e
receber atendimento médico. No início de dezembro sua saúde pareceu melhorar, e
pôde cantar partes do Réquiem inacabado com alguns amigos. No dia 4
seu estado se agravou; seu médico foi chamado às pressas mas pouco pôde fazer.
Em torno da uma da manhã de 5 de dezembro, expirou. A causa mortis foi
diagnosticada como febre miliar aguda.[34] Se
formou um folclore sobre sua morte e foram propostos vários diagnósticos
diferentes, surgindo inclusive versões falando de conspirações e assassinato, a
partir de suspeitas do próprio Mozart de ter sido envenenado, mas todas são
hipotéticas e algumas bastante fantasiosas. Possivelmente se tratou de fato de
um recrudescimento fatal da febre
reumática que o atacara na infância; a descrição do mal como febre
miliar aguda servia para muitas febres inflamatórias com exantema, o que
não exclui a febre reumática.[35][36][37][38]
Mozart foi velado na catedral em 6 de dezembro e no dia 6 ou
7 foi enterrado com discrição em uma vala comum no cemitério da Igreja de São Marx, nos
arredores de Viena, sem ninguém a acompanhá-lo, o que, ao contrário das versões
romantizadas que deram sua morte como em condições abjetas e seu enterro
solitário como uma indignidade e uma trágica traição dos vienenses ao grande
gênio, era um costume comum em seu tempo. Não foi erguida nenhuma lápide e o
local exato da tumba é até hoje desconhecido.[39][38][40] É
possível, contudo, a partir de um relato de Jahn de 1856, que Salieri e
Van Swieten estivessem presentes, além de seu aluno Süssmayr e mais dois músicos não
identificados. Os obituários foram unânimes em reconhecer a grandeza de Mozart,[39] os
maçons fizeram celebrar uma missa suntuosa no dia 10 e publicaram o elogioso
sermão proferido em sua honra, vários concertos foram dados em sua memória, e
alguns em benefício de Constanze. Em Praga as homenagens fúnebres foram ainda
mais grandiosas do que em Viena. Mozart deixou herança considerável em
manuscritos, instrumentos e outros objetos, mas a avaliação financeira dela foi
pequena.[39][41]
Formação, ideias e personalidade
Retrato de Leopold Mozart, pintado por Pietro Antonio
Lorenzoni
Segundo Steptoe, todas as considerações sobre a
personalidade de Mozart e o ambiente familiar onde cresceu devem passar pela
análise da figura do seu pai, Leopold. Sua mãe, Anna Maria, permaneceu um
personagem obscuro, em tudo secundário, na vida de seu filho, mas Leopold
exerceu uma influência sobre ele que perdurou até a maturidade. Ele nascera em
Augsburgo e se mudou para Salzburgo para estudar Filosofia e Direito, mas não
chegou a concluir os cursos. Voltou-se para a música e assumiu o cargo de
violinista e professor de violino na capela do príncipe-arcebispo de Salzburgo,
dedicando-se também à composição. Mais tarde ascendeu à posição de mestre
de capela substituto, e conquistou considerável fama com a escrita de
um tratado sobre a técnica do violino intitulado Versuch einer gründlichen
Violinschule (1756), que teve várias reedições e traduções e permanece
como uma das obras referenciais em seu gênero escritas no século XVIII. Leopold
era um representante típico do racionalismo de
seu tempo. Possuía uma inteligência aguçada, interessava-se pelas artes e
ciências, correspondia-se com literatos e filósofos como Wieland e Gellert, e era um homem conhecedor
dos caminhos tortuosos do mundo cortesão de seu tempo.[42]
A educação musical que Leopold, um professor de primeira
linha, proveu para seu filho foi em todos os aspectos completa e a presença da
música na vida familiar era constante, tanto pela prática doméstica como pelas
inúmeras atividades sociais em que a família se engajava, frequentemente
envolvendo a música. O pequeno Mozart aprendeu desde os quatro anos teclado,
com cinco iniciou no violino e órgão, e já passou à composição. A educação de
Mozart além da música não é bem documentada, mas aparentemente Leopold
providenciou para que ele aprendesse francês, italiano, latim e aritmética. As
viagens internacionais, além de objetivarem lucro financeiro e buscarem a fama,
também serviram para expor Mozart aos mais variados estilos, para que formasse
o seu gosto e aprendesse técnicas novas. Leopold se preocupou também em
contratar professores nessas viagens para complementar algum aspecto que lhe
pareceu necessário. Em Londres procurou o castrato Giovanni
Manzuoli para dar lições de canto ao menino, e em Bolonha o levou ao Padre
Martini para aulas de contraponto, além de adquirir partituras que
dificilmente seriam encontradas em Salzburgo. As viagens também foram úteis
para uma expansão de horizontes em outros aspectos da cultura, e sempre que
possível os Mozart frequentavam o teatro e liam literatura estrangeira. Além
disso, recreação ao ar livre, interação social e exercícios faziam parte
integral dos valores educacionais e higiênicos de Leopold, de modo que a imagem
de Mozart como uma criança solitária em um mundo de adultos, fechada entre
quatro paredes, é um mito.[43]
Durante o período itinerante Leopold ocupou um lugar central
na vida do filho, sendo seu secretário, professor, colaborador, empresário,
relações-públicas e seu maior incentivador, planejando meticulosamente os
roteiros, explorando cada contato em prol das vantagens que pudessem trazer, e
organizando todas as apresentações do filho, incluindo a divulgação
sensacionalista de seu gênio. Leopold exercia forte pressão sobre Mozart no
sentido de tentar incutir nele um senso de responsabilidade e profissionalismo,
e durante um bom tempo foi seu maior conselheiro estético. A natureza e a
repercussão positiva ou negativa dessa presença dominante sobre Mozart têm sido
motivo para muito debate entre a crítica, mas parece certo que, apesar de
existir um afeto real e profundo entre pai e filho, e de Leopold ser
visivelmente um pai orgulhoso, quando o menino entrou na maturidade a índole
controladora paterna e sua tendência ao sarcasmo e a manipular os sentimentos
para fazer o filho curvar-se às suas ideias começaram a ser fonte de crescente
tensão entre ambos. Com o passar dos anos Mozart aprendeu a ignorar as
frequentes censuras do pai a seu comportamento e escolhas, mas sobrevivem
cartas de Leopold em que fica clara sua raiva e decepção impotentes, e cartas
de Mozart em que ele, entre a culpa e a impaciência, se esforça por
justificar-se e assegurar que sabia o que fazia.[44][45] Depois
que Mozart se mudou para Viena eles se encontraram apenas duas vezes. Uma
quando Leopold foi apresentado a Constanze em Salzburgo, e a segunda delas
quando ele os visitou em Viena em 1785, quando parece ter-se dado como
satisfeito, testemunhando o sucesso e prestígio profissional do filho e vendo
que vivia em uma situação confortável[46]
O pai também parece ter sido o responsável pela modelação de
parte das ideias religiosas, sociais e políticas do filho. Leopold, apesar de
ser um homem do mundo era profundamente devoto; em uma das viagens interrompeu
o roteiro para convencer um apóstata a
voltar ao Catolicismo, era um ávido colecionador de relíquias de
santos e em várias cartas expressou sua preocupação com a salvação da alma de
Mozart. Entretanto se relacionava com iluministas e
outros anticlericais, e em várias ocasiões manifestou seu desprezo pelos
valores corrompidos dos príncipes da Igreja. Por outro lado, recomendava ao
filho que se aproximasse dos altos hierarcas e se afastasse dos seus colegas
músicos, ao mesmo tempo em que dava mais valor ao mérito pessoal do que aos
títulos de nobreza. Mozart em alguma medida ecoou todas essas crenças e
opiniões, como sua correspondência atesta. Condenava os ateus - chamou Voltaire de
"ímpio arquipatife" - e fez em muitos momentos menções devotas a Deus. Tinha grande
sensibilidade para as desigualdades sociais e um agudo senso de amor próprio, e
uma carta que escreveu após seu confronto com o patrão Colloredo é ilustrativa
nesse sentido. Nela ele diz: "O coração nobilita o homem e, se
seguramente não sou conde, talvez tenha em mim mais honra do que muitos condes;
e, lacaio ou conde, na medida em que ele me insulta, ele é um canalha".
Seu engajamento mais íntimo com a política se refletiu no ingresso, junto com
seu pai, na Maçonaria, uma organização que naquela época fazia aberta
campanha pela sistematização legal de princípios humanos fundamentais, da
educação, da liberdade de expressão política e religiosa e do acesso ao
conhecimento, buscando criar, na fórmula então usada, uma "sociedade
esclarecida".[47]
Em outros pontos tinha pensamentos bem diversos do pai.
Apenas um adolescente de catorze anos pôde ironizar em carta à irmã as visões
de Leopold sobre estética, que se inclinavam aos modelos estabelecidos por
Gellert e Wieland e que buscavam para a arte uma função social moralizante e
nobilitante dentro de uma expressão austera e virtuosa. Essas opiniões já lhe
pareciam antiquadas, e em carta ao pai em torno de 1780 defendeu a validade da opera buffa e
rejeitou sua conformação aos ditames da opera seria.[48] Também
não se nota em sua correspondência um amor às outras artes além da música -
sequer eram citadas e seu inventário não incluía uma única pintura - nem o
atraía especialmente a paisagem natural. Não parece ter sido um grande leitor,
mas conhecia em alguma medida Shakespeare, Ovídio, Fénelon, Metastasio e Wieland, além de provavelmente ter lido
obras sobre história, educação e política, mas muitas dessas leituras
aparentemente foram feitas tendo em vista mormente a elaboração de textos para
óperas ou canções.[49] Entretanto,
sobrevivem rascunhos de duas comédias em prosa de sua
autoria, algunspoemas e
foi um grande escritor de cartas, cujo conteúdo veicula uma larga variedade de
sentimentos e ideias, apresentados de forma profunda e exuberante, que se
equiparam em qualidade literária à correspondência dos mais distinguidos
escritores de sua época.[50]
Tendo passado os anos formadores de sua personalidade sempre
em viagens extenuantes, pressionado de várias formas pelo pai, e pelo público
que exigia sempre novas proezas de um menino prodígio, e sem receber uma
educação padrão, Mozart surpreendentemente emergiu como um homem maduro sem
problemas psicológicos graves, mas sua passagem para uma vida autônoma não
transcorreu isenta de repercussões negativas, um fenômeno comum a outras
crianças-prodígio. Enquanto pequeno, sua vivacidade e espontaneidade, aliadas
ao seu talento indiscutível e espantoso, ganharam-lhe as boas graças e os mimos
da alta nobreza e permitiram-lhe entreter com ela uma intimidade em enorme
desproporção com as suas insignificantes origens burguesas. Quando cresceu o
apelo do gênio infantil desapareceu, ele se tornou apenas mais um entre
milhares de músicos talentosos em atividade na Europa - ainda que fosse
superiormente talentoso -, e as facilidades de penetração em todas as esferas
sociais que conhecera antes também desapareceram. Seu sucesso precoce
desenvolvera nele um considerável orgulho por suas realizações, com um
consequente desprezo pela mediocridade, mas ao ver-se privado dos antigos
privilégios e passando a rejeitar Leopold como o organizador de sua vida -
função que antes o pai desempenhara muito bem -, sendo obrigado a ganhar seu
sustento primeiro como músico cortesão subalterno, e depois se aventurando em
uma incerta vida de músico independente, teve dificuldades de manter sua rotina
doméstica em boa ordem, de equilibrar seu orçamento, de se adaptar ao mercado e
de socializar diplomática e igualitariamente com seus pares.[51][52][53] Uma
carta escrita de Paris a seu pai por seu antigo amigo, o Barão von Grimm,
exprime em linhas gerais a visão dos seus contemporâneos sobre ele:
"Ele é demasiadamente confiante, demasiadamente
inativo, demasiadamente fácil de apanhar, demasiadamente pouco atento para os
meios que podem levar à fortuna. Para causar uma impressão aqui, deve-se ser
arguto, empreendedor, ousado. Para fazer fortuna, eu desejaria que ele tivesse
metade do seu talento e duas vezes mais astúcia." [54]
Também tem sido um ponto de muita curiosidade o
conhecidamente grosseiro senso de humor de Mozart, um traço que ele
compartilhava com toda a família, incluindo sua mãe. Caçoadas chulas,
envolvendo situações sexuais e descrições literais das atividades excretórias
do corpo, eram comuns entre eles, sua correspondência está cheia delas, e o interesse
jocoso de Mozart pelo ânus e pela defecação se mantiveram por toda a sua vida.
Tal comportamento chocava os hábitos dos círculos elegantes que ele
frequentava, ainda que isso não interferisse no reconhecimento e apreciação de
seu refinado talento musical.[55][56] Entretanto,
esse tipo de humor às vezes extravasava para a sua música. Como exemplo pode-se
citar o cânone Leck
mich im Arsch, que, em português, literalmente significa Beije-me o
Traseiro.[57] Esta
polaridade de temperamento se manifestava também de outras maneiras. Há relatos
de frequentes mudanças súbitas de humor, num instante dominado por uma ideia
sublime, no outro entregue a gracejos e ao ridículo, e depois alimentando
sentimentos sombrios. Contrastando com essas oscilações, permaneceu sempre
inabalada sua confiança em suas próprias capacidades musicais, exultando com
elas, e não há traço em parte alguma de sua correspondência, nem nas memórias
de seus contemporâneos, que acusem qualquer dúvida ou insegurança de sua parte
neste aspecto. Contudo, em linhas gerais seu temperamento era bem disposto.[58][59] Quando
se dedicava ao trabalho de composição as circunstâncias externas pareciam não
afetá-lo. Como exemplo, ele trabalhou em seu quarteto de cordas K421 enquanto a
esposa dava à luz o primeiro filho do casal no quarto ao lado; no verão de
1788, em meio à morte de sua filhinha Theresia e críticas dificuldades
financeiras, que os levaram a se mudar para uma casa barata, compôs nada menos
do que as suas três últimas sinfonias, obras de grande importância, além de um
trio, uma sonata e outras peças notáveis. Isso entretanto não significa que sua
vida musical e a pessoal estivessem de todo desvinculadas, e em várias ocasiões
sua saúde e, principalmente, sua relação com a esposa, que moldou grande parte
de sua personalidade adulta, se refletiram no seu trabalho.[60]
[editar]Relacionamentos
Constanze foi ao longo do tempo sujeita às mais diversas
apreciações, mas em grande parte delas foi retratada como inculta, vulgar,
caprichosa, astuta por ter enredado Mozart num casamento que ele não estava, ao
que parece, tão ansioso por concretizar, e como incapaz de apoiá-lo e ajudar na
administração doméstica, induzindo-o a uma vida displicente e irresponsável,
que em várias ocasiões os conduziu a sérias dificuldades financeiras. Também
foi sugerido que ela lhe foi infiel, embora não haja provas disso. O que parece
certo é que ela, tendo ou não os defeitos que lhe foram imputados, se tornou o
principal suporte emocional do marido até sua morte, foi objeto de sua
verdadeira paixão e o fez feliz. Nas várias ausências de Constanze para
tratamento de saúde as cartas de Mozart expressam perene preocupação pelo seu
bem estar e revelam o ciúme que sentia dela, fazendo-lhe mil recomendações a
respeito do comportamento decoroso que ela deveria manter em público. E sua
alegada incompetência como dona de casa é difícil de conciliar com a perspicaz
administração da herança e do nome do marido que ela levou a cabo após
enviuvar.[61]
Vários amores foram atribuídos a Mozart em sua juventude,
mas é incerto o grau de seu envolvimento. Entre eles estavam sua prima Anna
Thekla, com quem pode ter tido sua primeira experiência sexual, Lisel
Cannabich, Aloysia Weber e a Baronesa von Waldstätten. Mesmo depois de casado
ele pode ter continuado a cortejar outras mulheres, entre elas as cantoras
Nancy Storace, Barbara Gerl, Anna Gottlieb e Josepha Duschek, sua aluna
Theresia von Trattner e Maria Pokorny Hofdemel, mas não há provas de que foi
concretamente infiel a Constanze. Correu um boato depois de sua morte de que
ele engravidara Maria Hofdemel.[62]
Mozart menino ao teclado com seu amigo Thomas Linley ao
violino, junto com a família Gavard des Pivets, em Florença
Mozart teve muitos mecenas em
sua carreira, e alguns deles lhe devotaram legítima amizade. O primeiro
protetor que teve ao chegar a Viena foi a Condessa von Thun, frequentando
assiduamente sua casa. Outros amigos da nobreza foram Karl
Lichnowsky, August von Hatzfeld, Gottfried von Jacquin e sobretudo o Barão Gottfried van Swieten, de todos talvez o mais
leal e que possivelmente influiu na obra do amigo despertando-lhe um interesse
pela fuga.
Entre os compositores e outros profissionais do mundo artístico desenvolveu uma
amizade mais íntima, embora às vezes efêmera, com Johann Christian Bach, Thomas
Linley, Christian Cannabich, Ignaz
Holzbauer, Michael Puchberg, que o socorreu em diversas crises financeiras,
os atores Joseph Lange, Gottlieb Stephanie e Friedrich Schröder, os
instrumentistas Anton Stadler e Joseph Leutgeb, e os membros da companhia
teatral de Emanuel Schikaneder, incluindo o próprio.[63] Sua
amizade com Joseph Haydn se tornou intensa, ainda que não
convivessem regularmente. Entretanto desenvolveram profunda admiração um pelo
outro, e a obra de Mozart revela influência do compositor mais velho.[64] Sua
ambivalente relação com Antonio
Salieri se tornou outro pomo de discórdia para a crítica, e muitas
lendas se formaram em seu redor, incluindo uma que o acusava de ser o assassino
de Mozart. Mozart possivelmente invejava sua alta posição na estima do
imperador e de início suspeitou dele, supondo que buscasse prejudicá-lo com
intrigas. Mais tarde estabeleceu um relacionamento cordial com o concorrente,
convidando-o para uma récita de A Flauta Mágica e ficando encantado
com os elogios que Salieri lhe fez. Salieri também manifestou sua deferência
quando incluiu obras de Mozart ao reger a música da coroação de Leopoldo II em Praga.[65][66] Relatos
deixados por amigos de Salieri dizem que em sua velhice ele teria confessado o
envenenamento de Mozart, mas nessa época ele já havia tentado o suicídio e
entrado em um estado mental delirante,[67] e
hoje a crítica considera a suspeita infundada.[68]
[editar]Aparência e
iconografia
Retrato inacabado de Mozart, 1782, por Joseph Lange
Tinha baixa estatura, era magro e pálido, a varíola deixara
marcas em seu rosto e Nannerl disse que ele não tinha nenhum atrativo físico,
circunstância de que ele era consciente. Hummel e outros, contudo, lembravam de
seus grandes e brilhantes olhos azuis, e o tenor Michael
Kelly, que ele era vaidoso de seus cabelos bastos, finos e louros. Sua
orelha esquerda era deformada, e a mantinha escondida sob o cabelo. Seus dedos
também tinham deformidades, mas isso podia se dever à prática continuada no
teclado. Em anos finais adquiriu uma papada e seu nariz se tornou proeminente,
o que deu origem a piadas nos jornais. Embora essas descrições possam ser
exageradas, em vários momentos se registrou sua preocupação de compensar sua
falta de beleza física com a elegância nos trajes, sapatos e no penteado, e
mesmo em suas roupas íntimas.[69]
Mozart foi retratado várias vezes em vida. Restam cerca de
catorze retratos considerados autênticos, e mais de sessenta cuja identificação
é duvidosa.[70] Dentre
os autenticados a grande maioria foi realizada por pintores de escasso mérito,
mas são importantes o de Barbara Kraft, pintado postumamente a partir de fontes
anteriores e segundo Landon talvez o que mais se aproximou da sua real
fisionomia, e o pintado por seu cunhado Joseph Lange, muito poético mas deixado
inconcluso. Também são dignos de nota uma litografia de
Lange feita possivelmente a partir de uma pintura perdida, o desenho de Dora Stock em ponta de prata, o retrato
familiar de Johann Nepomuk della Croce e os retratos infantis de Saverio dalla
Rosa ePietro Lorenzoni.[71] Quando
Mozart faleceu foi feita uma máscara de cera de seu rosto, que infelizmente se
perdeu.[72] Ao
longo do século XIX foram produzidos diversos outros retratos, mas se tratam de
recriações românticas que mais revelam as ideias da burguesia da
época do que os verdadeiros traços do compositor.[73]
Contexto
Depois de um início influenciado pela estética Rococó,[74] Mozart
desenvolveu a maior parte de sua carreira durante o período da história da música conhecido como Classicismo,
assim chamado em vista de seu equilíbrio e perfeição formal. O movimento teve
paralelos nas outras artes sob o nome de Neoclassicismo,
que nasceu de um renovado interesse pela arte daAntiguidade clássica,
ocorrendo em meio a importantes descobertas arqueológicas e
tendo como um de seus principais mentores intelectuais o alemão Johann Joachim Winckelmann.[75] O
Neoclassicismo deveu sua origem também a uma influência dos ideais do Iluminismo,
que tinham base no racionalismo, combatiam as superstições e dogmas religiosos,
e enfatizavam o aperfeiçoamento pessoal e o progresso social dentro de uma
forte moldura ética.[76] Sem
o conhecimento de relíquias musicais da Antiguidade, ao contrário do que
acontecia com as outras artes, o Classicismo musical foi em larga medida uma
evolução contínua, sem quebras bruscas, a partir de raízes barrocas e rococós. Gluck tentou
atribuir ao coro, no campo da ópera, uma importância equivalente ao que ele
possuía na tragédia clássica, mas os principais gêneros musicais
consolidados no Classicismo, a sinfonia, a sonata e o quarteto de cordas, tiveram precursores desde o
início do século XVIII.[75] Junto
com Haydn,
foi Mozart quem os levou a um alto nível de excelência e consistência. Apesar
de os primeiros compositores desses gêneros terem sido invariavelmente nomes do
segundo ou terceiro escalão, sem eles a música instrumental de Mozart seria
impensável.[77]
Hyeronimus Colloredo em 1773
Salzburgo, que tinha uma antiga tradição em música, na época
de nascimento de Mozart se tornara um centro de algum relevo no mundo musical
da Áustria, tendo contado ao longo do século XVIII com a presença de nomes
importantes como Muffat e Caldara. Na
altura do nascimento de Mozart, seu próprio pai, Leopold, era um dos líderes de
uma escola local que adquirira contornos caracteristicamente germânicos,
suplantando a influência dos estilos francês e italiano antes predominantes.
Nesta época a vida musical se tornou rica; a orquestra e coro da corte
alcançaram alguma fama além das fronteiras locais e atraíram notáveis instrumentistas
e cantores; várias famílias burguesas abastadas começaram a formar seus
próprios grupos, alguns podendo competir em qualidade e tamanho com o da corte.
Contudo, quando Colloredo ascendeu ao trono do principado, embora fosse ele
mesmo um amante da música e um violinista, impôs uma significativa redução no
número de seus músicos e enxugou o ritual do culto religioso, alinhando-se à
filosofia do imperador José II. Com essa severa limitação, as perspectivas de
futuro profissional de Mozart na cidade se tornaram reduzidas.[78][79]
Viena, por sua vez, como capital do império era um centro
musical muito mais importante. Mesmo com as limitações na música sacra, a
capela da corte ostentava um alto padrão, e música profana era produzida em
quantidade em casas de ópera, concertos públicos e nos saraus de
inúmeras famílias que mantinham orquestras e grupos de câmara privados. Algumas
delas possuíam pequenos teatros em seus palácios e eram até capazes de prover
condições para apresentações camerísticas de óperas. Além disso, a cidade
contava com editoras de música, inúmeros copistas e renomados fabricantes de
instrumentos, e um grande trânsito de músicos estrangeiros visitantes que
faziam circular novas ideias e composições. Com a atuação de Haydn, do próprio
Mozart e logo em seguida a de Beethoven, se
tornou uma das maiores referências musicais de toda a Europa.[78][80]
[editar]Visão geral
Mozart adotou, como todos os compositores clássicos, a forma-sonata como
estrutura básica para a grande maioria dos movimentos mais importantes de suas
composições. Esta forma tivera origens nas estruturas bipartidas de Domenico Scarlatti, que foram desenvolvidas por Carl Philipp Emanuel Bach e levadas
a um estado de consolidação por Joseph Haydn, ora transformadas em uma
estrutura simétrica e dividida em três seções bem definidas e contrastantes:
uma exposição onde dois temas distintos são apresentados, o primeiro
na tônica da
peça, e o segundo na dominante; umdesenvolvimento, onde os dois temas
são explorados e combinados de várias maneiras, e uma recapitulação, onde
o material da exposição é retomado na forma de uma conclusão. Os compositores
clássicos não somente levaram a forma-sonata a um estágio de perfeição como
contribuíram para aperfeiçoar também a sonata em
vários movimentos, definida como uma peça em geral em quatro movimentos: o
primeiro rápido, em forma-sonata, seguido de um movimento lento, um adagio ou andante que
tinha um caráter de canção. Depois vinha um minueto, uma peça
leve derivada da música para dança, e encerravam a estrutura um rondò ou variações, novamente em andamento rápido. As
formas da forma-sonata e da sonata foram empregadas em todos os gêneros de
composição, da música sacra à profana, instrumental ou vocal, na música para
solo ou para grupos.[81]
A música de Mozart é basicamente homofônica,
definida em poucas palavras como uma linha melódica suportada
por uma harmonia vertical,[82] com
um uso econômico de modulações e
dedissonâncias,
estas colocadas em pontos estratégicos e logo resolvidas.[83] Sua
harmonia, sempre clara, é extremamente rica em sutilezas e soluções originais,
e seu uso da dissonância, do desenho motívico e das dinâmicas atende a
propósitos eminentemente expressivos. Seus ritmos são vivazes e sua compreensão
das possibilidades texturais dos instrumentos é imensa.[84][85]Ao
mesmo tempo, usou recursos polifônicos abundantemente, incluindo o mais estrito
deles, a fuga,
em particular em suas missas.
Contudo, seu uso da fuga podia se abrir para liberdades formais, dependendo das
características dos sujeitos (temas). As fugas com sujeitos longos são mais
propensas a exibir feições tradicionais, enquanto as de sujeitos curtos são
mais experimentais e seus perfis melódicos se encaixam melhor na estética
clássica. Elas raramente cobrem todo um movimento, antes são comuns nas seções
de conclusão, um procedimento entendido como uma enfatização retórica do
discurso musical. Na música instrumental as fugas rigorosas são raras, e os recursos
polifônicos são estruturados como episódios dentro do arcabouço da
forma-sonata. Mozart estudou com interesse as fugas de Bach e compôs
diversas, e também entrou em contato com a música de Händel,
igualmente rica em polifonia, de onde recebeu importante influência.[86]
Páginas do caderno de anotações musicais de Mozart. British
Library
Sabe-se que Mozart entendia o processo de composição como
uma atividade consciente, que devia ser empreendida com um propósito definido e
de acordo com uma necessidade específica. Devaneios à espera de inspiração, ou
um entendimento da inspiração como uma força externa, não tinham lugar no seu
método. Contudo, isso não excluía a fantasia, nem impedia que seus sentimentos
excercessem influência em seu trabalho. Seus contemporâneos não conheceram seus
procedimentos de composição, sabiam apenas que ele compunha muito e rápido.
Criou-se porém um folclore, a partir de seus grandes dotes como improvisador e
de algumas observações esparsas que ele mesmo fez, de que ele escrevia de forma
instintiva, ou de que as músicas lhe vinham prontas à mente e depois apenas as
transcrevia mecanicamente à partitura,
sem necessidade de correções, ou que compusesse sem qualquer ajuda de
instrumentos, mas essa percepção, confrontada com um grande corpo de outras
evidências contrárias, em grande parte não sobrevive. É certo, por outro lado,
que ele possuía uma memória e capacidades intelectuais prodigiosas. Em uma
carta afirmou que elaborava uma composição mentalmente enquanto escrevia outra
já pronta no papel, mas em outras deu detalhes a respeito de meditações
prolongadas planejando obras, e de seu esforço considerável até que elas
resultassem a contento. Seu estado de consciência agudamente ativo quando se
tratava de música é relatado em carta a seu pai, dizendo que pensava em música
todo o dia, e que gostava de experimentar, estudar e refletir. Seu procedimento
padrão, a partir das análises dos manuscritos e de seus relatos, era o
seguinte: em primeiro lugar concebia uma ideia e usava sua fantasia para
defini-la, em seguida experimentava-a ao piano - dizia que sem um piano não
conseguia compor, ou só o fazia com dificuldade. A próxima etapa envolvia a
comparação de sua ideia como modelos de outros compositores, e então anotava um
primeiro esboço no papel, muitas vezes de forma críptica, para que ninguém
entendesse o que ele estava planejando. Outros esboços mais completos se
seguiam, detalhando a progressão harmônica da estrutura e suas
linhas melódicas principais, bem como delineando a linha de baixo, sobre a qual
o restante era construído. Anotava temas subsidiários para futuro
aproveitamento, e dali a obra começava a tomar sua forma definitiva. A última
etapa consistia na orquestração,
que definia a sonoridade final da peça.[87][88]
Assinatura de Mozart
Ao contrário das lendas que descreveram Mozart como um prodígio
inato, o vasto conhecimento que tinha da cultura musical europeia de seu tempo
e de épocas anteriores foi decisivo para a formação de seu estilo pessoal. Seu
gosto pelas nuanças sutis e delicadas, seu hábil uso do espectro tonal para dar
cores mais ricas à harmonia, e a flexibilidade de seu estilo evitaram que sua
forte veia lírica penetrasse nos excessos do Romantismo.
Mesmo em ocasiões em que expressou a tragédia da existência humana, temperou o
drama recusando qualquer afetação. Cultivando o equilíbrio, o charme e a graça
característicos do Classicismo, sua obra não obstante possui grande vivacidade,
expressividade e força, apresentando suas ideias sempre uma forma clara e
direta. Sua produção é enorme, multifacetada e aqui só pode ser abordada
sumariamente em seus gêneros principais, incluindo cerca de vinte óperas,
dezessete missas, um réquiem, 29 concertos para piano, vários concertos para
instrumentos diversos, 27 quartetos e seis quintetos de cordas, 41 sinfonias e
grande número de composições menores em várias formações.[89] O Catálogo Köchel lista 630 peças de sua
autoria,[90] mas
ocasionalmente outras têm sido redescobertas.[91]
Contexto
Depois de um início influenciado pela estética Rococó,[74] Mozart
desenvolveu a maior parte de sua carreira durante o período da história da música conhecido como Classicismo,
assim chamado em vista de seu equilíbrio e perfeição formal. O movimento teve
paralelos nas outras artes sob o nome de Neoclassicismo,
que nasceu de um renovado interesse pela arte daAntiguidade clássica,
ocorrendo em meio a importantes descobertas arqueológicas e
tendo como um de seus principais mentores intelectuais o alemão Johann Joachim Winckelmann.[75] O
Neoclassicismo deveu sua origem também a uma influência dos ideais do Iluminismo,
que tinham base no racionalismo, combatiam as superstições e dogmas religiosos,
e enfatizavam o aperfeiçoamento pessoal e o progresso social dentro de uma
forte moldura ética.[76] Sem
o conhecimento de relíquias musicais da Antiguidade, ao contrário do que
acontecia com as outras artes, o Classicismo musical foi em larga medida uma
evolução contínua, sem quebras bruscas, a partir de raízes barrocas e rococós. Gluck tentou
atribuir ao coro, no campo da ópera, uma importância equivalente ao que ele
possuía na tragédia clássica, mas os principais gêneros musicais
consolidados no Classicismo, a sinfonia, a sonata e o quarteto de cordas, tiveram precursores desde o
início do século XVIII.[75] Junto
com Haydn,
foi Mozart quem os levou a um alto nível de excelência e consistência. Apesar
de os primeiros compositores desses gêneros terem sido invariavelmente nomes do
segundo ou terceiro escalão, sem eles a música instrumental de Mozart seria
impensável.[77]
Hyeronimus Colloredo em 1773
Salzburgo, que tinha uma antiga tradição em música, na época
de nascimento de Mozart se tornara um centro de algum relevo no mundo musical
da Áustria, tendo contado ao longo do século XVIII com a presença de nomes
importantes como Muffat e Caldara. Na
altura do nascimento de Mozart, seu próprio pai, Leopold, era um dos líderes de
uma escola local que adquirira contornos caracteristicamente germânicos,
suplantando a influência dos estilos francês e italiano antes predominantes.
Nesta época a vida musical se tornou rica; a orquestra e coro da corte
alcançaram alguma fama além das fronteiras locais e atraíram notáveis
instrumentistas e cantores; várias famílias burguesas abastadas começaram a
formar seus próprios grupos, alguns podendo competir em qualidade e tamanho com
o da corte. Contudo, quando Colloredo ascendeu ao trono do principado, embora
fosse ele mesmo um amante da música e um violinista, impôs uma significativa
redução no número de seus músicos e enxugou o ritual do culto religioso, alinhando-se
à filosofia do imperador José II.
Com essa severa limitação, as perspectivas de futuro profissional de Mozart na
cidade se tornaram reduzidas.[78][79]
Viena, por sua vez, como capital do império era um centro
musical muito mais importante. Mesmo com as limitações na música sacra, a
capela da corte ostentava um alto padrão, e música profana era produzida em
quantidade em casas de ópera, concertos públicos e nos saraus de
inúmeras famílias que mantinham orquestras e grupos de câmara privados. Algumas
delas possuíam pequenos teatros em seus palácios e eram até capazes de prover
condições para apresentações camerísticas de óperas. Além disso, a cidade
contava com editoras de música, inúmeros copistas e renomados fabricantes de
instrumentos, e um grande trânsito de músicos estrangeiros visitantes que
faziam circular novas ideias e composições. Com a atuação de Haydn, do próprio
Mozart e logo em seguida a de Beethoven, se
tornou uma das maiores referências musicais de toda a Europa.[78][80]
[editar]Visão geral
Mozart adotou, como todos os compositores clássicos, a forma-sonata como
estrutura básica para a grande maioria dos movimentos mais importantes de suas
composições. Esta forma tivera origens nas estruturas bipartidas de Domenico Scarlatti, que foram desenvolvidas por Carl Philipp Emanuel Bach e levadas
a um estado de consolidação por Joseph Haydn, ora transformadas em uma
estrutura simétrica e dividida em três seções bem definidas e contrastantes:
uma exposição onde dois temas distintos são apresentados, o primeiro
na tônica da
peça, e o segundo na dominante; umdesenvolvimento, onde os dois temas
são explorados e combinados de várias maneiras, e uma recapitulação, onde
o material da exposição é retomado na forma de uma conclusão. Os compositores
clássicos não somente levaram a forma-sonata a um estágio de perfeição como
contribuíram para aperfeiçoar também a sonata em
vários movimentos, definida como uma peça em geral em quatro movimentos: o
primeiro rápido, em forma-sonata, seguido de um movimento lento, um adagio ou andante que
tinha um caráter de canção. Depois vinha um minueto, uma peça
leve derivada da música para dança, e encerravam a estrutura um rondò ou variações, novamente em andamento rápido. As
formas da forma-sonata e da sonata foram empregadas em todos os gêneros de
composição, da música sacra à profana, instrumental ou vocal, na música para
solo ou para grupos.[81]
A música de Mozart é basicamente homofônica,
definida em poucas palavras como uma linha melódica suportada
por uma harmonia vertical,[82] com
um uso econômico de modulações e
dedissonâncias,
estas colocadas em pontos estratégicos e logo resolvidas.[83] Sua
harmonia, sempre clara, é extremamente rica em sutilezas e soluções originais,
e seu uso da dissonância, do desenho motívico e das dinâmicas atende a
propósitos eminentemente expressivos. Seus ritmos são vivazes e sua compreensão
das possibilidades texturais dos instrumentos é imensa.[84][85]Ao
mesmo tempo, usou recursos polifônicos abundantemente, incluindo o mais estrito
deles, a fuga,
em particular em suas missas.
Contudo, seu uso da fuga podia se abrir para liberdades formais, dependendo das
características dos sujeitos (temas). As fugas com sujeitos longos são mais
propensas a exibir feições tradicionais, enquanto as de sujeitos curtos são
mais experimentais e seus perfis melódicos se encaixam melhor na estética
clássica. Elas raramente cobrem todo um movimento, antes são comuns nas seções
de conclusão, um procedimento entendido como uma enfatização retórica do
discurso musical. Na música instrumental as fugas rigorosas são raras, e os recursos
polifônicos são estruturados como episódios dentro do arcabouço da
forma-sonata. Mozart estudou com interesse as fugas de Bach e compôs
diversas, e também entrou em contato com a música de Händel,
igualmente rica em polifonia, de onde recebeu importante influência.[86]
Páginas do caderno de anotações musicais de Mozart. British
Library
Sabe-se que Mozart entendia o processo de composição como
uma atividade consciente, que devia ser empreendida com um propósito definido e
de acordo com uma necessidade específica. Devaneios à espera de inspiração, ou
um entendimento da inspiração como uma força externa, não tinham lugar no seu
método. Contudo, isso não excluía a fantasia, nem impedia que seus sentimentos
excercessem influência em seu trabalho. Seus contemporâneos não conheceram seus
procedimentos de composição, sabiam apenas que ele compunha muito e rápido.
Criou-se porém um folclore, a partir de seus grandes dotes como improvisador e
de algumas observações esparsas que ele mesmo fez, de que ele escrevia de forma
instintiva, ou de que as músicas lhe vinham prontas à mente e depois apenas as
transcrevia mecanicamente à partitura,
sem necessidade de correções, ou que compusesse sem qualquer ajuda de
instrumentos, mas essa percepção, confrontada com um grande corpo de outras
evidências contrárias, em grande parte não sobrevive. É certo, por outro lado,
que ele possuía uma memória e capacidades intelectuais prodigiosas. Em uma
carta afirmou que elaborava uma composição mentalmente enquanto escrevia outra
já pronta no papel, mas em outras deu detalhes a respeito de meditações
prolongadas planejando obras, e de seu esforço considerável até que elas
resultassem a contento. Seu estado de consciência agudamente ativo quando se
tratava de música é relatado em carta a seu pai, dizendo que pensava em música
todo o dia, e que gostava de experimentar, estudar e refletir. Seu procedimento
padrão, a partir das análises dos manuscritos e de seus relatos, era o
seguinte: em primeiro lugar concebia uma ideia e usava sua fantasia para
defini-la, em seguida experimentava-a ao piano - dizia que sem um piano não
conseguia compor, ou só o fazia com dificuldade. A próxima etapa envolvia a
comparação de sua ideia como modelos de outros compositores, e então anotava um
primeiro esboço no papel, muitas vezes de forma críptica, para que ninguém
entendesse o que ele estava planejando. Outros esboços mais completos se
seguiam, detalhando a progressão harmônica da estrutura e suas
linhas melódicas principais, bem como delineando a linha de baixo, sobre a qual
o restante era construído. Anotava temas subsidiários para futuro
aproveitamento, e dali a obra começava a tomar sua forma definitiva. A última
etapa consistia na orquestração,
que definia a sonoridade final da peça.[87][88]
Assinatura de Mozart
Ao contrário das lendas que descreveram Mozart como um prodígio
inato, o vasto conhecimento que tinha da cultura musical europeia de seu tempo
e de épocas anteriores foi decisivo para a formação de seu estilo pessoal. Seu
gosto pelas nuanças sutis e delicadas, seu hábil uso do espectro tonal para dar
cores mais ricas à harmonia, e a flexibilidade de seu estilo evitaram que sua
forte veia lírica penetrasse nos excessos do Romantismo.
Mesmo em ocasiões em que expressou a tragédia da existência humana, temperou o
drama recusando qualquer afetação. Cultivando o equilíbrio, o charme e a graça
característicos do Classicismo, sua obra não obstante possui grande vivacidade,
expressividade e força, apresentando suas ideias sempre uma forma clara e
direta. Sua produção é enorme, multifacetada e aqui só pode ser abordada
sumariamente em seus gêneros principais, incluindo cerca de vinte óperas,
dezessete missas, um réquiem, 29 concertos para piano, vários concertos para
instrumentos diversos, 27 quartetos e seis quintetos de cordas, 41 sinfonias e
grande número de composições menores em várias formações.[89] O Catálogo Köchel lista 630 peças de sua
autoria,[90] mas
ocasionalmente outras têm sido redescobertas.[91]
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