O Quarto Escuro


No quarto escuro dos nossos pensamentos guardamos muitos sentimentos que calamos a nossa vida inteira. Nesse quarto escuro, sentimos o amor mais profundo que há, mas é nele também que guardamos o desespero, o medo, a angústia. Escondemos tudo no mesmo lugar, e ignoramos que estes sentimentos, como animais, precisam sair também. Guardamos nossos monstros naquele quarto escuro e esperamos em vão que a nossa repulsa por eles acabe por os eliminar. Esquecemos  eles lá dentro, ocultos, desesperados, ululando por uma oportunidade.
Em geral, enquanto algumas pessoas enxergam no quarto escuro uma  saída aos seus traumas, outras não o utilizam. O resultado? As primeiras pessoas acabam fazendo mal às segundas. Não é produtivo entender o quarto escuro dos nossos sentimentos ocultos como um inimigo, mas também não se pode tê-lo como alternativa única. Quando passamos a esconder nossos medos e anseios no quarto, eles abrem a porta quando menos esperamos, e, de novo, voltam a nos assombrar com a enorme força que o desespero os confere.
Quem tem medo do quarto escuro? Todos têm. Mas todos mantêm seus quartos escuros e como armadilhas, eles estão lá. E atrás de cada porta sempre tem uma surpresa que pode vir a ser séria fonte de sofrimento. O desespero dos que jazem no quarto escuro contamina, e é forte, não se pode ignorar.
Sendo assim, caro leitor, em que se faz importante conhecer o quarto escuro? Nossa casa psicológica, ou melhor, a sede dos nossos estados de espíritos, é repleto de cômodos que, somente passando pelo quarto escuro conseguimos alcançar. Ele é a nossa porta, é dele que se atinge as demais áreas da nossa alma. Quando nos fechamos do lado de fora, prendemo-nos a uma superficialidade doentia, e nossos valores, ainda que fundamentalmente bons, tendem a dissipar-se em meio à névoa da não convivência com os nossos sentimentos mais íntimos.
Passemos, pois, pelo quarto escuro. Ele está lá, não podemos negar. Abra a sua porta uma vez e vislumbre, pelo menos, aquilo que você tem jogado por lá. Seria amor? Medo? Raiva? Insegurança? Ou amizade? Cada um dos sentimentos está lá, resignado em seu próprio desespero de não manifestar-se. Como criança que experimenta, use cada um deles, sempre com a moderação necessária e com o bom senso como mediador. Noutro dia de sua escolha, volte e fique mais tempo, dialogue com estes sentimentos e, quando se sentir fortalecido o suficiente, viva intensamente um por vez, até ter a luz atingido as reentrâncias do seu quarto escuro.
Mas, meu querido leitor, não se iluda. Fazendo isso, você dará ao mundo um pouco do que, de verdade, você é. E o mundo, as pessoas no mundo, nem sempre estão preparadas para você e sua metralhadora sentimental. Eles escondem ainda seus sentimentos em seus próprios quartos escuros, que estão abarrotados de coisas tristes e alegres. Quando se escolhe viver esses sentimentos, o mundo imporá sofrimentos e desilusões. Mas não se desespere. Colha cada um, entenda cada um ainda que o coração lhe queime como brasa incandescente. Fortalece-se assim o caráter e ajuda a dissociar amigos de companheiros,  escolhas de consequências.
Nossa vida não é senão a soma complexa dessa nossa produção emocional em face das nossas necessidades especificas. Não é a dor de uma desilusão, ou ainda a tristeza causada pela escolha ruim que caracterizará a morte do que realmente somos. Quando sentimos, parte do que sentimos vai como presente ao mundo. De fato, é errando que se adquire a noção do perfeito e só o sofrimento nos permite decantar o que de bom podemos encontrar em nós mesmos e no mundo.
Da próxima vez que visitar o seu quarto escuro, não vá como o algoz que seleciona, mas como o amigo que pretender reconciliar-se consigo mesmo através da espera contida nos desejos e nas necessidades manifestadas, em todos os tempos, por nós e pelos outros em relação à nós. A busca não cessa até que esvaziemos o nosso quarto escuro para as próximas experiências que virão.

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